Solte a voz contra o Assédio Moral

Por: Dagmar Serpa

Quando trabalhava como operadora de telemarketing em uma grande empresa, a catarinense Schirlei, de 40 anos, acabou passando por uma enxurrada de humilhações.

“Mesmo quando eu cumpria todas as metas, meu trabalho era criticado. Constantemente me lembravam que eu poderia perder o emprego”, conta. “Fiquei seis anos no cargo, quatro deles em perícia médica. Passei por uma cirurgia no ombro, tive inflamações nos braços e entrei em depressão profunda”, acrescenta ela, que acabou mesmo demitida. Schirlei decidiu soltar a voz — está processando a empresa e hoje milita pelo fim do achincalhamento e do constrangimento dentro das corporações.

O assédio moral não é um fenômeno novo. Mas, desde que informações sobre esse mal começaram a ser mais disseminadas e ele passou a ser visto como algo não inerente ao trabalho, boa parte das vítimas tem deixado de sofrer calada e partido para a ação. Por isso, nos últimos anos, as queixas formais se tornaram mais freqüentes e ganharam importância. “É como se tivesse sido tirada a tampa de uma panela de pressão”, explica a médica do trabalho Margarida Barreto, uma das primeiras a se debruçar sobre o tema no país. Entre janeiro de 2004 e dezembro de 2006, por exemplo, a Comissão de Igualdade de Oportunidades de Gênero, de Raça e Etnia, de Pessoas com Deficiência e de Combate à Discriminação, da Superintendência Regional do Trabalho e do Emprego de São Paulo, recebeu 871 denúncias de Assedio. Em 2007, foram 495. No primeiro semestre deste ano, elas já somam 288.

Claro, tomar uma atitude contra não é fácil. “O Assedio é um tsunami, que chega de surpresa e destrói a pessoa. Para reagir, ela precisa contar com ajuda”, diz a psicóloga Ana Parreira, autora de assédio moral — Um Manual de Sobrevivência (Russell). “Por outro lado, simplesmente pedir as contas e sair pela porta dos fundos também pode fazer mal”, acrescenta. Ana escreveu o livro após ter sido assediada pela chefe em uma empresa pública por três anos. Demitida, decidiu entrar na Justiça, dar apoio a outras vítimas e realizar palestras e cursos em empresas. Mas é comum a profissional pôr a boca no trombone às vezes tarde demais, quando já adoeceu ou perdeu a auto-estima. Isso ocorre porque muita gente tem dúvidas entre o que é aceitável e o que é realmente Assedio. “É grave quando você se vê exposta de maneira repetitiva e prolongada a atos que discriminam, humilham, desqualificam e desmoralizam”, define Margarida, que em sua tese de doutorado sobre o tema analisou mais de 10 mil questionários respondidos por trabalhadores de todo o país. Em outras palavras, para reclamar com razão, é preciso ser vítima de um conjunto de condutas que caracterizam uma perseguição, mesmo que sutil.

O perigo reside aí. Segundo o psicólogo Roberto Heloani, expert no assunto e professor da Unicamp e da Fundação Getulio Vargas, nem sempre o Assedio se apresenta de forma grosseira. “Muitas vezes, começa com insinuações, indiretas, apelidos. A funcionária só percebe quando já está fragilizada e os colegas criaram uma imagem negativa dela”, fala ele, que é co-autor, com Margarida e a pesquisadora Maria Ester de Freitas, do livro assédio moral no Trabalho (Cengage Learning), lançado este ano. “Em 90% dos casos”, diz Margarida, “o assediador é o chefe.” E as vítimas, conforme Heloani, não são incompetentes, mas criativas, dedicadas e críticas. Muitas vezes, são as que denunciam irregularidades ou recebem benefícios que deixam o chefe com inveja.

Na Grã-Bretanha, uma agente imobiliária processou o chefe que a humilhava, referindo-se principalmente aos seios avantajados. Em julho agora, a Justiça determinou que recebesse 30 mil libras (mais de 90 mil reais) por discriminação, demissão injusta e salários não pagos. No Brasil, uma ferroviária de Campinas (SP) pode receber indenização mais polpuda. Em abril, uma juíza determinou, em primeira instância, que a empresa pague 500 mil reais como compensação por ter sido transferida de setor de forma injustificada várias vezes, sofrer rebaixamento de cargo, ouvir ameaças de ir para o olho da rua e ganhar até o apelido de “Javali”, em referência a não ter mais valia para a companhia. “A empresa entrou com recurso e aguardamos novo julgamento”, diz Ana Cristina Alves, advogada da vítima.

Já a leitora Mariana, de 26 anos, até agora só ganhou uma depressão. “Na empresa de call center onde trabalho desde outubro de 2005, sofremos assédio moral”, confidenciou a NOVA. “Temos cinco minutos para ir ao banheiro, e precisamos pedir antes a um supervisor e aguardar a autorização. Se estouramos o tempo, temos que dizer o que estávamos fazendo. A pressão psicológica é grande e constante.” Ela só percebeu tratar-se de abuso no ano passado. “Adoeci e passei a ser pressionada a pedir demissão. Se eu tinha dúvidas, o supervisor me repreendia. Em novembro, recebi licença médica por depressão e stress e passei a receber auxílio do INSS. Tive alta, voltando à ativa em março deste ano, e 20 dias depois saí de licença novamente. Retornei em maio. Desesperada, até pedi para ser demitida, mas tenho estabilidade até 2009 por causa da licença médica. Choro o tempo todo.”

A estudante de história Juliana, de 30 anos, sofreu o diabo nos seis anos em que trabalhou no setor de embalagens de uma indústria farmacêutica. Entrou em 2002 e logo foi eleita para a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa), o que lhe rendeu estabilidade no emprego. O problema começou após pedir à empresa mais assistência social para os colegas. “Me levaram à sala do diretor industrial, onde estava também o gerente de RH. Ouvi uma reprimenda e tive de assinar uma advertência.” Mais tarde, foi mudada de função sem explicações, depois mandada para outra unidade. Ali, foi colocada para trabalhar em um “quadradinho fechado, na passagem de todo mundo”, e se sentia constrangida. Juliana reagiu. Foi ao sindicato da categoria e obteve uma liminar na Justiça para retornar à unidade de origem. Ficou meses ali, isolada, sendo alvo de comentários. Acabou desligada em julho deste ano, quando terminou o período de estabilidade.

Todo Assedio impõe um regime de medo entre os funcionários, mesmo que eles não sejam diretamente afetados. Por vergonha, a vítima passa a evitar os colegas e se afasta do convívio social. “Perde-se o prazer no cotidiano. É como sofrer traição ou ter uma ferida não curada”, explica Maria Aparecida Bento, doutora em psicologia social e diretora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert). Os efeitos sobre a saúde física e mental são devastadores e variados. Vão de hipertensão arterial, gastrite, cefaléia a doenças cardíacas.

Para não deixar chegar ao ponto do que conta Mariana, abra o olho já na primeira vez. Se a agressão verbal se repetir, converse com o autor, de preferência acompanhada de um colega. Vale dizer, de forma objetiva e calma, que se sentiu ofendida e pedir explicação. Não resolveu? Recolha provas. Guarde e-mails ofensivos, anote tudo sobre cada ocorrência: dia e hora, o que foi dito e quem presenciou. Daí, faça uma carta em duas vias relatando o caso e mande para a ouvidoria da empresa, o RH ou o superior do assediador. Fique com uma cópia assinada, comprovando o recebimento. Atualmente, é mais provável que os executivos a levem a sério e afastem do grupo o opressor. Até porque há mais consciência nas organizações. “Elas sabem que podem ser penalizadas e ter de pagar indenizações, a produtividade baixa e há o risco de perder talentos”, diz Heloani.

O covarde tem costas quentes dentro da empresa e a corda partiu para o lado mais fraco? O jeito é denunciar no sindicato de sua categoria ou na Delegacia ou Superintendência Regional do Trabalho e do Emprego (veja os endereços no Brasil no site www.assediomoral.org). Uma mesa de reconciliação será convocada para que você permaneça no emprego e o Assedio cesse. Sem acordo, será preciso entrar com um processo na Justiça. É essencial não se isolar, além de conversar com amigos, família e, se for o caso, procurar apoio psicológico. É que a barra pode ser pesada para segurar sozinha — e calada.

“Me formo em educação física este ano. Em 2006, estagiei em uma instituição de ensino. Eu havia enfrentado uma fase anoréxica e, naquele momento, apresentava um quadro de compulsão alimentar, com uns 10, 12 quilos acima do peso ideal. Minha chefe falava que eu estava gorda, que uma profissional da minha área tinha de ser magrinha e que eu não podia usar blusas que mostrassem a ‘pança’ quando levantava os braços. Minha vontade era chorar e comer mais. Hoje, graças a Deus estou curada. Concordo que em minha área se deve ter uma aparência saudável, mas nenhum chefe tem o direito de tratar uma funcionária assim.” - Karoline de Menezes, 23 anos, de Campinas (SP)

Um comentário:

Antonio Regly disse...

Luciene,
Seu post soa como um grito que muitos gostariam de dar, para tirar de dentro de si algo que vêm guardando há muito tempo, por achar que ninguém vai ouvir (ainda que um grito) ou por medo do que ele poderá causar.
Não é de hoje que pessoas sofrem o assédio moral no trabalho, mas somente agora veio à tona, porque alguém resolveu denunciar, libertar-se da escravidão de uma vez por todas. Isso vem motivar outros a procederem da mesma forma.
Já conhecia a história da Schirlei, pois recebi de amigos por email.
Há alguns anos atrás a Prefeitura do Rio pubicou o Código de Ética do Servidor Municipal. Ainda assim, muitos têm medo do que possa acontecer. Pensam que denunciando sofrerão sansões ou ficarão marginalizados. E, uma vez marginalizados, continuarão sendo perseguidos mesmo que mudem de sessão ou de órgão. Tem que denunciar mesmo.
Parabéns pelo post e pela coragem em publicá-lo.

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